quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Vasculites- Abordagem geral

Vasculite é a inflamação dos vasos sangüíneos. A parede vascular apresenta-se com infiltrado inflamatório e áreas com necrose fibrinóide. As vasculites podem ser encontradas no cortejo de várias doenças (infecções, colagenoses, neoplasias), sendo chamadas vasculites secundárias, ou serem idiopáticas (vasculites primárias). Podem ser classificadas ainda em vasculites localizadas ou sistêmicas. No campo da Reumatologia, estudam-se as vasculites sistêmicas primárias, ou Síndromes Vasculíticas, nas quais estão a Poliarterite Nodosa (que pode ocorrer também no contexto da infecção pelo HBV), a Angeíte de Churg-Strauss, a Granulomatose de Wegener, a Arterite Temporal, a Púrpura de Henoch-Schönlein, entre outras.

Não é conhecida a causa das vasculites primárias, mas há indivíduos geneticamente predispostos e fatores exógenos que participam da gênese da doença (HBV, HCV, HIV, por exemplo). Esses fatos levaram a crer que as vasculites primárias são desencadeadas por fenômenos de hipersensibilidade, de forma que foram separadas de acordo com a classificação de Gell & Coombs para reações de hipersensibilidade.

A hipersensibilidade do tipo I (Imediata) é dependente da IgE. O antígeno (ag) se liga a IgE da superfície dos mastócitos, que liberam mediadores inflamatórios de ação imediata (histamina, bradicininas, leucotrienos, PAF) e quimiotáticos para eosinófilos. Relaciona-se com a Síndrome de Churg-Strauss, que tem como componentes a rinite e a asma.

A hipersensibilidade do tipo II (Mediada por Ac) ocorre através de auto-anticorpos contra ag da membrana de neutrófilos e endotélio, que ativam essas células gerando a inflamação. Relaciona-se com a Granulomatose de Wegener e a Poliarterite Nodosa microscópica. Essas duas doenças têm ANCA positivo.

As vasculites ANCA+ são chamadas de pauci-imunes, por terem poucos imunocomplexos teciduais. Os ANCA (anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos) agem contra proteínas dos grânulos neutrofílicos que foram deslocadas para a membrana. Na técnica de imunofluorescência indireta, os neutrófilos sofrem fixação alcoólica, liberando as proteínas granulares, que se distribuem pela célula. O c-ANCA (citoplasmático) reage contra a proteinase 3 e relaciona-se à Granulomatose de Wegener; o p-ANCA (perinuclear) reage contra a mieloperoxidase e relaciona-se à Síndrome de Churg-Strauss, Poliarteríte Nodosa microscópica; o a-ANCA (atípico) relaciona-se à AR, LES, DII, infecção por HIV ou mesmo em indivíduos saudáveis.

Na hipersensibilidade do tipo III (Mediada por Imunocomplexos) há deposição tecidual de imunocomplexos, ativando o complemento. Relaciona-se à vasculite crioglobulinêmica. A tipo IV (tardia) é mediada por linfócitos T e relaciona-se a Arterite Temporal (de células gigantes), Arterite de Takayasu, Granulomatose de Wegener e Síndrome de Churg-Strauss.

Outra forma de classificar as vasculites é através da classificação "Chapel Hill Consensus Conference", de 1994, que se baseia no tamanho dos vasos predominantemente acometidos:

- Vasculites de grandes vasos: Arterite de Takayasu, Arterite Temporal

- Vasculites de médios vasos: Poliarterite Nodosa Clássica, Doença de Kawasaki, Vasculite Isolada do SNC

- Vasculite de pequenos vasos: Síndrome de Churg-Strauss, Granulomatose de Wegener, Poliarterite Nodosa Microscópica, Púrpura de Henoch-Schönlein, Vasculite Crioglobulinêmica, Vasculite Cutânea Leucocitoclástica, Vasculite Secundária Infecciosa, Vasculite Secundária Neoplásica, Vasculite Secundária a Colagenose

- Outras: Doença de Behçet, Tromboangeíte Obliterante, Síndrome de Cogan

Além das inúmeras vasculites verdadeiras, existem doenças que mimetizam os sinais e sintomas, chamadas pseudo-vasculites, que incluem sepse, ateroembolismo, linfoma, endocardite, displasia fibromuscular, coarctação de aorta entre outras.

O diagnóstico clínico das vasculites é complexo. Há liberação de mediadores inflamatórios (TNF-alfa, IL-1 etc.) que provocam sintomas como febre, fadiga, mal-estar, anorexia, perda ponderal. A lesão da parede vascular leva a formação de aneurismas e estenoses, com isquemia tecidual. A lesão endotelial leva a trombofilia. A isquemia tecidual leva a disfunções inexplicadas de órgãos. Lesões cutâneas purpúricas, mialgia e poliartralgia também ocorrem.

Além da dificuldade de diagnosticar as vasculites, é difícil também caracterizá-las numa síndrome específica. Isso é importante, já que algumas são benignas, tratando-se com sintomáticos, enquanto outras evoluem gravemente na ausência de tratamento específico. Algumas características clínicas auxiliam a distinção entre as síndromes:

- Granulomatose de Wegener: ocorre dos 30-50 anos e leva a sinusite, úlceras orais, otite média, hemoptise e alterações no SU

-Poliarterite Nodosa: ocorre dos 40-60 anos, mais em ♂, leva a perda ponderal, livedo reticular, HAS, neuropatia

- Síndrome de Churg-Strauss: ocorre dos 30-50 anos, mais em ♂, associada a asma, eosinofilia, atopias, infiltrados pulmonares, neuropatia

- Arterite Temporal: ocorre dos 60-75 anos, mais em ♀, com cefaléia, diplopia, claudicação de língua ou mandíbula, rigidez das cinturas escapular e pélvica

- Arterite de Takayasu: ocorre dos 15-35 anos, muito mais em ♀, com claudicação de membros, diminuição dos pulsos, sopros em aorta ou subclávias

- Vasculite Primária do SNC: ocorre dos 30-50 anos, com cefaléia severa, demência, evento neurológico focal

- Vasculite Cutânea Leucocitoclástica: ocorre dos 30-50 anos, com púrpura palpável, rash urticariforme

- Púrpura de Henoch- Schölein: ocorre dos 3-20 anos, com púrpura palpável, dor abdominal, diarréia sanguinolenta, glomerulite

- Doença de Behçet: ocorre dos 20-35 anos, com úlceras orais e genitais, foliculite, tromboflebite e uveíte

- Doença de Kawasaki: ocorre dos 1-5 anos, com febre, conjuntivite, linfadenopatia cervical, exantema polimorfo, língua em framboesa.

Nos exames laboratoriais, encontram-se elevação da VHS e da PCR, leucocitose, trombocitose, anemia. É importante a realização de exames das funções dos órgãos e sorologias. Alguns achadas são específicos (anti-sm no LES, c-ANCA da granulomatose de Wegener e crioglobulinas na vasculite crioglobulinêmica). Antes de iniciar um tratamento, deve-se fazer uma biópsia ou angiografia (feita quando não há indicação de biópsia ou no acometimento de médios e grandes vasos), que assegure o diagnóstico de vasculite.

As biópsias normalmente são feitas nos órgãos e tecidos acometidos: pele, músculo, nervo sural, mucosa nasal e artéria temporal, além de fígado, rins e pulmões. Não há achados patognomômicos na biópsia, mas há alguns sugestivos (eosinofilia abundante, na Síndrome de Churg-Strauss, granulomas na Granulomatose de Wegener, Arterite de Takayasu e Temporal). Vasculite leucocitoclástica (com restos de núcleos de neutrófilos na biópsia) e necrosante são inespecíficas.

Para indicação do tratamento nas vasculites, observa-se a relação risco-benefício, já que muitas das drogas usadas têm efeitos colaterais importanets. As vasculites restritas à pele ou músculo-esqueléticas leves, são tratadas com sintomáticos. Em algumas doenças, o tratamento pode ser feito com corticosteróides (arterite temporal ou de Takayasu). Outras doenças (granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa) necessitam de imunossupressão com corticóides (prednisona) ou agentes citotóxicos (ciclofosfamida) ou imunossupressores (azarioprina). Se a vasculite for refratária, pode-se tentar ciclosporina, Ig venosas ou plasmaférese.

*Imagem baseada em http://www.immunologyresearch.ch/ial_clin_vascu.jpg

Doença de Crohn

Como Dra. Lucimar disse que devíamos contribuir com o blog e Dr. Juvenal mandou que estudássemos Doença de Crohn para essa sexta, segue abaixo o resumo que fiz.


Doença de Crohn


A Doença de Crohn faz parte das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII), que englobam a Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU). As DII são doenças crônicas intestinais, idiopáticas e não curáveis através de medicamentos. Ainda não foram comprovadas etiologias para as DII, mas sabe-se que decorrem de uma desregulação na resposta imune da mucosa intestinal. Através de critérios clínicos, endoscópicos e histopatológicos, diferencia-se entre DC e RCU, embora em 20% dos casos essa separação não seja possível.

Diferentemente da RCU, a DC pode acometer qualquer parte do tubo digestivo, da boca ao ânus, de forma heterogênea, descontínua e focal (podem haver alterações em graus diferentes, distantes entre si e separadas por mucosa íntegra). Enquanto na RCU as alterações estão restritas à mucosa, na DC são transmurais, predispondo a estenoses (por espessamento parietal) e fístulas.

A DC inicia com a formação de úlceras aftóides (ulcerações da mucosa que ocorrem sobre folículos linfóides). Elas evoluem lateralmente, de forma linear e retilínea, confluindo e delimitando áreas sem lesão, num aspecto de "pedras de calçamento". Podem ainda aprofundar-se, fistulizando. Os folículos linfóides ocorrem em todas as camadas do tubo digestivo e tipicamente são formados por histiócitos, encontrados em 50% dos casos. Em 30% dos casos, são encontrados granulomas não caseosos (não há na RCU).

Na macroscopia, há mais comumente ileocolite, acometendo a porção distal do íleo e cólon ascendente. Entretando, pode haver acometimento exclusivo do cólon (colite de Crohn ou colite granulomatosa) ou do intestino delgado (ileíte de Crohn ou enterite regional). Em metade dos casos, não há compromentimento retal (que ocorre em quase todos os casos de RCU), porém, em 1/3, há doença perianal (fístulas, fissuras, abscessos). Em 5% dos casos, o comprometimento é principalmente oral (aftas) ou gastroduodenal (úlceras, obstrução pilórica). Em ainda menos casos, ocorre lesões esofágicas (odinofagia, disfagia) e do intestino delgado proximal (síndrome de má-absorção).

O quadro clínico mais comum na DC é caracterizado por uma diarréia crônica com dor abdominal, febre, anorexia e perda ponderal. Pode haver ainda doença perianal e massa palpável no quadrante inferior direito, correspondendo a um edema de alça intestinal ou mesmo a um abscesso.

A suspeita de DC é dada quando há diarréia, infecção perianal e dor abdominal. O diagnóstico de DC é feito baseado no quadro clínico e em exames. Faz-se um raio-x de abdome que pode observar dilatação intestinal com conteúdo gasoso (além de nefrolitíase, colelitíase), sugerindo obstrução intestinal e contra-indicando exames contrastados. Se não houver obstrução, faz-se clister opaco com duplo contraste, que observa úlceras, fístulas, ausência de acometimento retal e refluxo de bário (comprometimento ileal). Pode-se fazer estudo de trânsito de delgado para observar a extensão da doença e colonoscopia (melhor que a retossigmoideoscopia, no caso da DC).

Além dos exames de imagem, marcadores sorológicos auxiliam na diferenciação entre RCU e DC. Na DC, o achado de ASCA+ com p-ANCA- tem 97% de especificidade
e 49% de sensibilidade para o diagnóstico. Outros exames mostram anemia, hipoalbuminemia, elevação de VHS e PCR. A pesquisa de sangue oculto nas fezes pode ser positiva (raramente há sangramento visível).

Além da RCU, fazem parte do diagnóstico diferencial da DC: Síndrome do Intestino Irritável, apendicite, infecção entérica, carcinoma de cólon, linfoma intestinal. O tabagismo é um fator de risco para DC, estando presente em 80% dos pacientes e associa-se a doença refratária e recorrente, mesmo após cirurgia.

A DC pode levar a várias complicações. O acometimento transmural pode levar ao adelgaçamento parietal do cólon, formando um cólon dilatado. Pode ocorrer um megacólon tóxico, quando a dilatação vista ao raio-x simples de abdome é maior que 6 cm de diâmetro, com acúmulo de gás, e se associa a dor abdominal, febre alta e diminuição do peristaltismo (há ainda sinais de sepse). O megacólon tóxico pode levar à perfuração intestinal e peritonite séptica, de forma que deve ser tratado imediatamente e submetido a colectomia na ausência de resposta em 12-24h.

O acometimento transmural pode resultar também numa estenose intestinal, com cólicas, distensão abdominal, constipação ou diarréia e massa palpável, sintomas e sinais compatíveis com obstrução ao trânsito intestinal. Pode haver ainda fistulização (para bexiga, pele, vagina, ânus), com formação de abscessos.

A DC é um fator de risco para o adenocarcinoma intestinal (porém menos que a RCU), dependendo da extensão e duração da doença. Na suspeita de câncer (presença de sangramentos e obstrução numa doença inativa) ou quando a duração da doença é maior que 8 anos, deve-se investigar com radiografia e endoscopia. Se à biópsia for encontrada uma displasia de alto grau, indica-se a remoção do cólon.

Os pacientes que têm acometimento colônico estão sujeitos a apresentarem manifestações articulares não deformantes e migratórias, geralmente associadas à intensidade de atividade da doença. Esses pacientes podem apresentar manifestações cutâneas como eritema nodoso, estomatite. Há ainda manifestações oculares em 5% dos pacientes, manifestações hepáticas e biliares.

Devido à má-absorção do cálcio alimentar, há hiperoxalúria, com formação de cálculos renais de oxalato de cálcio. A diarréia leva a desidratação e predispõe a formação de cáculos de ácido úrico. Fistulizações para a bexiga levam a polaciúria, disúria, piúria e cistites recorrentes. A diminuição da absorção de vitamina D e cálcio, juntamente com a corticoterapia, predispõe a osteoporose e osteomalácia. São comuns outras deficiências vitamínicas.

Entre os medicamentos usados no tratamento da DC estão os aminosalicilatos (derivados do ácido 5-amino salicílico- sulfassalazina, mesalazina), com metabolismo hepático e excreção renal (sulfassalazina) ou intestinal (mesalazina). Os aminosalicilatos inibem a cascata do ácido aracdônico, a produção de radicais livres, os linfócitos e monócitos e a IL-1. Sulfassalazina é metabolizada pela flora bacteriana colônica antes de ser absorvida, de forma que só deve ser usada nos acometimentos colônicos leves a moderados. Usa-se 500mg de 12-12h e aumenta-se para 4-6g/dia até obtenção de resposta. Podem haver efeitos adversos como náuseas, mialgia, até hepatite e piora da colite. Deve-se usar ácido folínico na dose de 1mg/dia.

Quando não há acometimento colônico, usa-se mesalazina ou corticóide, também usado nas formas moderadas e graves da DC. Os corticóides não evitam recidivas e devem ser usados apenas nas crises, por via oral (40mg/dia de prednisona) ou endovenosa (metilprednisolona ou hidrocortisona). Não devem ser utilizados na presença de abscessos. A forma moderada da DC é refratária aos aminosalicilatos e/ou apresenta-se com febre, perda ponderal e dor abdominal. A forma grave é refratária aos corticóides e/ou tem sintomas obstrutivos.

Na DC, pode-se usar metronidazol e/ou ciprofloxacina para atenuar os sintomas (principalmente associados à mesalazina na jejunoileíte) e acelerar a cicatrização das lesões perianais. O tratamento prolongado com metronidazol pode levar a neuropatia periférica. Para o tratamento a longo prazo, prescrevem-se imunossupressores, que levam de 3-6 meses para atingir o efeito máximo. Esses medicamentos conseguem acelerar o fechamento de fístulas e são úteis em pacientes refratários ao tratamento com sulfassalazina ou que estão com altas doses de corticosteróides. Os mais utilizados são a Azatioprina (2-2,5mg/kg/dia) ou a 6-mercaptopurina (1,5mg/kg/dia). No caso de gravidez, utiliza-se a primeira opção. Existem ainda a Ciclosporina e o Infliximab.

No caso de DC gastroduodenal, deve-se associar ranitidina ou IBP aos imunossupressores. Como na DC há má-absorção, deve-se fazer reposição de nutrientes e vitaminas, além de diminuir lactose, gorduras e fibras. Nas agudizações, deve-se dar dietas elementares por sonda ou NPT. Em obstruções agudas, utiliza-se NPT e, caso não haja resposta clínica ao tratamento, submete-se o paciente a cirurgia. No caso de estenoses refratárias à corticoterapia, indica-se ressecção cirúrgica ou estricturoplastia (correção sem ressecção). Após a cirurgia, a DC recidiva em 1 ano nas margens da anastomose. Portanto, a cirurgia só é indicada nas complicações ou nas doenças refratárias aos medicamentos.