quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Vasculites- Abordagem geral

Vasculite é a inflamação dos vasos sangüíneos. A parede vascular apresenta-se com infiltrado inflamatório e áreas com necrose fibrinóide. As vasculites podem ser encontradas no cortejo de várias doenças (infecções, colagenoses, neoplasias), sendo chamadas vasculites secundárias, ou serem idiopáticas (vasculites primárias). Podem ser classificadas ainda em vasculites localizadas ou sistêmicas. No campo da Reumatologia, estudam-se as vasculites sistêmicas primárias, ou Síndromes Vasculíticas, nas quais estão a Poliarterite Nodosa (que pode ocorrer também no contexto da infecção pelo HBV), a Angeíte de Churg-Strauss, a Granulomatose de Wegener, a Arterite Temporal, a Púrpura de Henoch-Schönlein, entre outras.

Não é conhecida a causa das vasculites primárias, mas há indivíduos geneticamente predispostos e fatores exógenos que participam da gênese da doença (HBV, HCV, HIV, por exemplo). Esses fatos levaram a crer que as vasculites primárias são desencadeadas por fenômenos de hipersensibilidade, de forma que foram separadas de acordo com a classificação de Gell & Coombs para reações de hipersensibilidade.

A hipersensibilidade do tipo I (Imediata) é dependente da IgE. O antígeno (ag) se liga a IgE da superfície dos mastócitos, que liberam mediadores inflamatórios de ação imediata (histamina, bradicininas, leucotrienos, PAF) e quimiotáticos para eosinófilos. Relaciona-se com a Síndrome de Churg-Strauss, que tem como componentes a rinite e a asma.

A hipersensibilidade do tipo II (Mediada por Ac) ocorre através de auto-anticorpos contra ag da membrana de neutrófilos e endotélio, que ativam essas células gerando a inflamação. Relaciona-se com a Granulomatose de Wegener e a Poliarterite Nodosa microscópica. Essas duas doenças têm ANCA positivo.

As vasculites ANCA+ são chamadas de pauci-imunes, por terem poucos imunocomplexos teciduais. Os ANCA (anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos) agem contra proteínas dos grânulos neutrofílicos que foram deslocadas para a membrana. Na técnica de imunofluorescência indireta, os neutrófilos sofrem fixação alcoólica, liberando as proteínas granulares, que se distribuem pela célula. O c-ANCA (citoplasmático) reage contra a proteinase 3 e relaciona-se à Granulomatose de Wegener; o p-ANCA (perinuclear) reage contra a mieloperoxidase e relaciona-se à Síndrome de Churg-Strauss, Poliarteríte Nodosa microscópica; o a-ANCA (atípico) relaciona-se à AR, LES, DII, infecção por HIV ou mesmo em indivíduos saudáveis.

Na hipersensibilidade do tipo III (Mediada por Imunocomplexos) há deposição tecidual de imunocomplexos, ativando o complemento. Relaciona-se à vasculite crioglobulinêmica. A tipo IV (tardia) é mediada por linfócitos T e relaciona-se a Arterite Temporal (de células gigantes), Arterite de Takayasu, Granulomatose de Wegener e Síndrome de Churg-Strauss.

Outra forma de classificar as vasculites é através da classificação "Chapel Hill Consensus Conference", de 1994, que se baseia no tamanho dos vasos predominantemente acometidos:

- Vasculites de grandes vasos: Arterite de Takayasu, Arterite Temporal

- Vasculites de médios vasos: Poliarterite Nodosa Clássica, Doença de Kawasaki, Vasculite Isolada do SNC

- Vasculite de pequenos vasos: Síndrome de Churg-Strauss, Granulomatose de Wegener, Poliarterite Nodosa Microscópica, Púrpura de Henoch-Schönlein, Vasculite Crioglobulinêmica, Vasculite Cutânea Leucocitoclástica, Vasculite Secundária Infecciosa, Vasculite Secundária Neoplásica, Vasculite Secundária a Colagenose

- Outras: Doença de Behçet, Tromboangeíte Obliterante, Síndrome de Cogan

Além das inúmeras vasculites verdadeiras, existem doenças que mimetizam os sinais e sintomas, chamadas pseudo-vasculites, que incluem sepse, ateroembolismo, linfoma, endocardite, displasia fibromuscular, coarctação de aorta entre outras.

O diagnóstico clínico das vasculites é complexo. Há liberação de mediadores inflamatórios (TNF-alfa, IL-1 etc.) que provocam sintomas como febre, fadiga, mal-estar, anorexia, perda ponderal. A lesão da parede vascular leva a formação de aneurismas e estenoses, com isquemia tecidual. A lesão endotelial leva a trombofilia. A isquemia tecidual leva a disfunções inexplicadas de órgãos. Lesões cutâneas purpúricas, mialgia e poliartralgia também ocorrem.

Além da dificuldade de diagnosticar as vasculites, é difícil também caracterizá-las numa síndrome específica. Isso é importante, já que algumas são benignas, tratando-se com sintomáticos, enquanto outras evoluem gravemente na ausência de tratamento específico. Algumas características clínicas auxiliam a distinção entre as síndromes:

- Granulomatose de Wegener: ocorre dos 30-50 anos e leva a sinusite, úlceras orais, otite média, hemoptise e alterações no SU

-Poliarterite Nodosa: ocorre dos 40-60 anos, mais em ♂, leva a perda ponderal, livedo reticular, HAS, neuropatia

- Síndrome de Churg-Strauss: ocorre dos 30-50 anos, mais em ♂, associada a asma, eosinofilia, atopias, infiltrados pulmonares, neuropatia

- Arterite Temporal: ocorre dos 60-75 anos, mais em ♀, com cefaléia, diplopia, claudicação de língua ou mandíbula, rigidez das cinturas escapular e pélvica

- Arterite de Takayasu: ocorre dos 15-35 anos, muito mais em ♀, com claudicação de membros, diminuição dos pulsos, sopros em aorta ou subclávias

- Vasculite Primária do SNC: ocorre dos 30-50 anos, com cefaléia severa, demência, evento neurológico focal

- Vasculite Cutânea Leucocitoclástica: ocorre dos 30-50 anos, com púrpura palpável, rash urticariforme

- Púrpura de Henoch- Schölein: ocorre dos 3-20 anos, com púrpura palpável, dor abdominal, diarréia sanguinolenta, glomerulite

- Doença de Behçet: ocorre dos 20-35 anos, com úlceras orais e genitais, foliculite, tromboflebite e uveíte

- Doença de Kawasaki: ocorre dos 1-5 anos, com febre, conjuntivite, linfadenopatia cervical, exantema polimorfo, língua em framboesa.

Nos exames laboratoriais, encontram-se elevação da VHS e da PCR, leucocitose, trombocitose, anemia. É importante a realização de exames das funções dos órgãos e sorologias. Alguns achadas são específicos (anti-sm no LES, c-ANCA da granulomatose de Wegener e crioglobulinas na vasculite crioglobulinêmica). Antes de iniciar um tratamento, deve-se fazer uma biópsia ou angiografia (feita quando não há indicação de biópsia ou no acometimento de médios e grandes vasos), que assegure o diagnóstico de vasculite.

As biópsias normalmente são feitas nos órgãos e tecidos acometidos: pele, músculo, nervo sural, mucosa nasal e artéria temporal, além de fígado, rins e pulmões. Não há achados patognomômicos na biópsia, mas há alguns sugestivos (eosinofilia abundante, na Síndrome de Churg-Strauss, granulomas na Granulomatose de Wegener, Arterite de Takayasu e Temporal). Vasculite leucocitoclástica (com restos de núcleos de neutrófilos na biópsia) e necrosante são inespecíficas.

Para indicação do tratamento nas vasculites, observa-se a relação risco-benefício, já que muitas das drogas usadas têm efeitos colaterais importanets. As vasculites restritas à pele ou músculo-esqueléticas leves, são tratadas com sintomáticos. Em algumas doenças, o tratamento pode ser feito com corticosteróides (arterite temporal ou de Takayasu). Outras doenças (granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa) necessitam de imunossupressão com corticóides (prednisona) ou agentes citotóxicos (ciclofosfamida) ou imunossupressores (azarioprina). Se a vasculite for refratária, pode-se tentar ciclosporina, Ig venosas ou plasmaférese.

*Imagem baseada em http://www.immunologyresearch.ch/ial_clin_vascu.jpg

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