quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Doença de Crohn

Como Dra. Lucimar disse que devíamos contribuir com o blog e Dr. Juvenal mandou que estudássemos Doença de Crohn para essa sexta, segue abaixo o resumo que fiz.


Doença de Crohn


A Doença de Crohn faz parte das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII), que englobam a Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU). As DII são doenças crônicas intestinais, idiopáticas e não curáveis através de medicamentos. Ainda não foram comprovadas etiologias para as DII, mas sabe-se que decorrem de uma desregulação na resposta imune da mucosa intestinal. Através de critérios clínicos, endoscópicos e histopatológicos, diferencia-se entre DC e RCU, embora em 20% dos casos essa separação não seja possível.

Diferentemente da RCU, a DC pode acometer qualquer parte do tubo digestivo, da boca ao ânus, de forma heterogênea, descontínua e focal (podem haver alterações em graus diferentes, distantes entre si e separadas por mucosa íntegra). Enquanto na RCU as alterações estão restritas à mucosa, na DC são transmurais, predispondo a estenoses (por espessamento parietal) e fístulas.

A DC inicia com a formação de úlceras aftóides (ulcerações da mucosa que ocorrem sobre folículos linfóides). Elas evoluem lateralmente, de forma linear e retilínea, confluindo e delimitando áreas sem lesão, num aspecto de "pedras de calçamento". Podem ainda aprofundar-se, fistulizando. Os folículos linfóides ocorrem em todas as camadas do tubo digestivo e tipicamente são formados por histiócitos, encontrados em 50% dos casos. Em 30% dos casos, são encontrados granulomas não caseosos (não há na RCU).

Na macroscopia, há mais comumente ileocolite, acometendo a porção distal do íleo e cólon ascendente. Entretando, pode haver acometimento exclusivo do cólon (colite de Crohn ou colite granulomatosa) ou do intestino delgado (ileíte de Crohn ou enterite regional). Em metade dos casos, não há compromentimento retal (que ocorre em quase todos os casos de RCU), porém, em 1/3, há doença perianal (fístulas, fissuras, abscessos). Em 5% dos casos, o comprometimento é principalmente oral (aftas) ou gastroduodenal (úlceras, obstrução pilórica). Em ainda menos casos, ocorre lesões esofágicas (odinofagia, disfagia) e do intestino delgado proximal (síndrome de má-absorção).

O quadro clínico mais comum na DC é caracterizado por uma diarréia crônica com dor abdominal, febre, anorexia e perda ponderal. Pode haver ainda doença perianal e massa palpável no quadrante inferior direito, correspondendo a um edema de alça intestinal ou mesmo a um abscesso.

A suspeita de DC é dada quando há diarréia, infecção perianal e dor abdominal. O diagnóstico de DC é feito baseado no quadro clínico e em exames. Faz-se um raio-x de abdome que pode observar dilatação intestinal com conteúdo gasoso (além de nefrolitíase, colelitíase), sugerindo obstrução intestinal e contra-indicando exames contrastados. Se não houver obstrução, faz-se clister opaco com duplo contraste, que observa úlceras, fístulas, ausência de acometimento retal e refluxo de bário (comprometimento ileal). Pode-se fazer estudo de trânsito de delgado para observar a extensão da doença e colonoscopia (melhor que a retossigmoideoscopia, no caso da DC).

Além dos exames de imagem, marcadores sorológicos auxiliam na diferenciação entre RCU e DC. Na DC, o achado de ASCA+ com p-ANCA- tem 97% de especificidade
e 49% de sensibilidade para o diagnóstico. Outros exames mostram anemia, hipoalbuminemia, elevação de VHS e PCR. A pesquisa de sangue oculto nas fezes pode ser positiva (raramente há sangramento visível).

Além da RCU, fazem parte do diagnóstico diferencial da DC: Síndrome do Intestino Irritável, apendicite, infecção entérica, carcinoma de cólon, linfoma intestinal. O tabagismo é um fator de risco para DC, estando presente em 80% dos pacientes e associa-se a doença refratária e recorrente, mesmo após cirurgia.

A DC pode levar a várias complicações. O acometimento transmural pode levar ao adelgaçamento parietal do cólon, formando um cólon dilatado. Pode ocorrer um megacólon tóxico, quando a dilatação vista ao raio-x simples de abdome é maior que 6 cm de diâmetro, com acúmulo de gás, e se associa a dor abdominal, febre alta e diminuição do peristaltismo (há ainda sinais de sepse). O megacólon tóxico pode levar à perfuração intestinal e peritonite séptica, de forma que deve ser tratado imediatamente e submetido a colectomia na ausência de resposta em 12-24h.

O acometimento transmural pode resultar também numa estenose intestinal, com cólicas, distensão abdominal, constipação ou diarréia e massa palpável, sintomas e sinais compatíveis com obstrução ao trânsito intestinal. Pode haver ainda fistulização (para bexiga, pele, vagina, ânus), com formação de abscessos.

A DC é um fator de risco para o adenocarcinoma intestinal (porém menos que a RCU), dependendo da extensão e duração da doença. Na suspeita de câncer (presença de sangramentos e obstrução numa doença inativa) ou quando a duração da doença é maior que 8 anos, deve-se investigar com radiografia e endoscopia. Se à biópsia for encontrada uma displasia de alto grau, indica-se a remoção do cólon.

Os pacientes que têm acometimento colônico estão sujeitos a apresentarem manifestações articulares não deformantes e migratórias, geralmente associadas à intensidade de atividade da doença. Esses pacientes podem apresentar manifestações cutâneas como eritema nodoso, estomatite. Há ainda manifestações oculares em 5% dos pacientes, manifestações hepáticas e biliares.

Devido à má-absorção do cálcio alimentar, há hiperoxalúria, com formação de cálculos renais de oxalato de cálcio. A diarréia leva a desidratação e predispõe a formação de cáculos de ácido úrico. Fistulizações para a bexiga levam a polaciúria, disúria, piúria e cistites recorrentes. A diminuição da absorção de vitamina D e cálcio, juntamente com a corticoterapia, predispõe a osteoporose e osteomalácia. São comuns outras deficiências vitamínicas.

Entre os medicamentos usados no tratamento da DC estão os aminosalicilatos (derivados do ácido 5-amino salicílico- sulfassalazina, mesalazina), com metabolismo hepático e excreção renal (sulfassalazina) ou intestinal (mesalazina). Os aminosalicilatos inibem a cascata do ácido aracdônico, a produção de radicais livres, os linfócitos e monócitos e a IL-1. Sulfassalazina é metabolizada pela flora bacteriana colônica antes de ser absorvida, de forma que só deve ser usada nos acometimentos colônicos leves a moderados. Usa-se 500mg de 12-12h e aumenta-se para 4-6g/dia até obtenção de resposta. Podem haver efeitos adversos como náuseas, mialgia, até hepatite e piora da colite. Deve-se usar ácido folínico na dose de 1mg/dia.

Quando não há acometimento colônico, usa-se mesalazina ou corticóide, também usado nas formas moderadas e graves da DC. Os corticóides não evitam recidivas e devem ser usados apenas nas crises, por via oral (40mg/dia de prednisona) ou endovenosa (metilprednisolona ou hidrocortisona). Não devem ser utilizados na presença de abscessos. A forma moderada da DC é refratária aos aminosalicilatos e/ou apresenta-se com febre, perda ponderal e dor abdominal. A forma grave é refratária aos corticóides e/ou tem sintomas obstrutivos.

Na DC, pode-se usar metronidazol e/ou ciprofloxacina para atenuar os sintomas (principalmente associados à mesalazina na jejunoileíte) e acelerar a cicatrização das lesões perianais. O tratamento prolongado com metronidazol pode levar a neuropatia periférica. Para o tratamento a longo prazo, prescrevem-se imunossupressores, que levam de 3-6 meses para atingir o efeito máximo. Esses medicamentos conseguem acelerar o fechamento de fístulas e são úteis em pacientes refratários ao tratamento com sulfassalazina ou que estão com altas doses de corticosteróides. Os mais utilizados são a Azatioprina (2-2,5mg/kg/dia) ou a 6-mercaptopurina (1,5mg/kg/dia). No caso de gravidez, utiliza-se a primeira opção. Existem ainda a Ciclosporina e o Infliximab.

No caso de DC gastroduodenal, deve-se associar ranitidina ou IBP aos imunossupressores. Como na DC há má-absorção, deve-se fazer reposição de nutrientes e vitaminas, além de diminuir lactose, gorduras e fibras. Nas agudizações, deve-se dar dietas elementares por sonda ou NPT. Em obstruções agudas, utiliza-se NPT e, caso não haja resposta clínica ao tratamento, submete-se o paciente a cirurgia. No caso de estenoses refratárias à corticoterapia, indica-se ressecção cirúrgica ou estricturoplastia (correção sem ressecção). Após a cirurgia, a DC recidiva em 1 ano nas margens da anastomose. Portanto, a cirurgia só é indicada nas complicações ou nas doenças refratárias aos medicamentos.

Nenhum comentário: