quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Função Respiratória

Anátomo-histologia

A respiração tem como objetivo a troca gasosa do organismo com o meio ambiente, promovendo aporte de O2 e eliminação de CO2. A árvore respiratória começa na traquéia, que se bifurca nos brônquios fonte esquerdo e direito (mais verticalizado). Essas estruturas são cartilaginosas e revestidas por epitélio pseudo-estratificado ciliado, com células caliciformes e glândulas submucosas produtoras de muco. Os brônquios fonte se dividem em lobares e depois em segmentares. Esses sofrem novas divisões, para gerarem os bronquíolos, sem cartilagem.

Os bronquíolos terminais se bifurcam, formando bronquíolos respiratórios, que originam ductos alveolares, que terminam em sacos alveolares, cujas paredes são formadas pelos alvéolos. Os alvéolos pulmonares, com sua rede capilar, são as unidades de troca gasosa e juntos formam uma superfície de troca de 140 m2. Sua parede é formada por pneumócitos (95% do tipo I, achatadas, e 5% do tipo II, arredondadas e responsáveis pela regeneração epitelial e pala produção de surfactante), membrana basal e endotélio capilar. O conjunto de estruturas rico em alvéolos que surge a partir de cada bronquíolo terminal é chamado ácino ou unidade respiratória terminal e tem cerca de 7mm de diâmetro. Cada grupo de 3-5 ácinos forma um lóbulo pulmonar, envolvido por septos conjuntivos por onde passam vasos e nervos.

Ventilação

A função respiratória é separada em ventilação e troca gasosa. A ventilação corresponde à entrada (inspiração) e saída (expiração) de ar dos pulmões. Esse processo depende dos músculos respiratórios, principalmente o diafragma e os intercostais, inervados pelos nervos vago, frênico e intercostais. A ventilação é controlada pelo centro respiratório bulbar e se dá involuntáriamente através de automatismo intrínseco (inibido constantemente por centros pontinos, que, se lesados, provocam hiperventilação), arco-reflexos e influenciada pelas concentrações de O2 e CO2 no sangue e no LCR, podendo ainda sofrer interferência voluntária. O centro bulbar tem neurônios que fazem sinapses com outros da ponta anterior da medula cervical (a nível de C2 e C3), de onde se origina o nervo frênico, e da medula torácica, de onde se originam os nervos intercostais.

A inspiração (processo ativo) ocorre com a expansão da caixa torácica devido à contração da musculatura respiratória (o diafragma desce e os m. intercostais elevam as costelas). Dessa forma, há uma pressão intratorácica negativa que puxa o ar para dentro. Essa pressão é medida no espaço pleural, cuja pressão reflete a pressão intra-torácica. A expiração é passiva e se dá com a recuperação elástica dos músculos e dos pulmões para o estado de repouso. Mesmo nele, a pressão intra-pleural é negativa (-4mmHg ou -5cmH2O), pela tendência dos pulmões a colabarem e da caixa torácica a se expandir. Na inspiração, a pressão intra-pleural se encontra em -6mmHg ou -8cmH2O (1mmHg= 1,36cmH2O).

Volume corrente (VC) é o que entra e sai dos pulmões a cada ciclo de uma ventilação espontânea, correspondendo a cerca de 500ml em um adulto de peso médio. Volume minuto é o VC vezes a FR, correspondendo a cerca de 7L/min, se considerarmos uma FR de 14irpm (média entre 12-16). Desses 7L, 70% chegam aos alvéolos (ventilação alveolar-VA-, de cerca de 5L/min) e 30% ficam na traquéia e árvore brônquica (espaço morto, de cerca de 2L/min). A PaCO2 depende exculsivamente da ventilação alveolar, podendo ser usada para determiná-la (o que não ocorre com a PaO2). PaCO2 é inversamente proporcional à VA e diretamente proporcional à produção de CO2 (VCO2). Essa relação se resume na fórmula PaCO2= KxVCO2/VA, sendo K uma constante, podendo-se observar que a hiperventilação leva a alcalose e a hipoventilação a acidose.

A PaCO2 é o principal regulador da ventilação pulmonar, agindo indiretamente ao modificar o pH sérico e liquórico (o CO2, através da anidrase carbônica, é convertido em H2CO3, que libera H+). Apesar do H+ não se difunfir na barreira hemato-liquórica, o CO2 o faz, de forma que o aumento da PaCO2 leva a acidemia e acidificação do LCR. O pH liquórico é o mais potente regulador direto da ventilação pulmonar, interferindo na atividade neuronal do centro bulbar (quando cai, leva a hiperventilação e vice-versa). O pH sérico atua sobre quimiorreceptores na bifurcação carotídea e no arco aórtico e tem sua função acentuada na acidose metabólica, já que o H+ não chega ao LCR e a PaCO2 cai em resposta à acidose, alcalinizando o pH liquórico.

Pacientes com retenção crônica de CO2 (DPOC, Pickwick) tem sensibilidade bulbar diminuída ao gás, mantendo uma ventilação normal mesmo com altos níveis de PaCO2. O pH sérico e do LCR (que tem tempo de se equilibrar com o sérico) ficam próximos ao normal, devido a retenção crônica de HCO3.

A PaO2 influencia na ventilação (ainda que bem menos que a PaCO2) agindo nos quimiorreceptores já citados. A hipoxemia grave (PaO2 menor que 40mmhg) leva a hiperventilação. Em pacientes com retenção crônica de CO2, a influência da PaO2 é maior, de forma que um fornecimento excessivo de O2 a 100% desencadeia hipoventilação e uma PaO2 abaixo de 70-80mmHg já é capaz de levar a hiperventilação. Anemia também causa hiperventilação, por diminuir a quantidade de O2 que chega aos quimiorreceptores. Influenciam ainda na ventilação o exercício, emoção, febre, adrenalina, dor.

O gradiente de pressão produzido na inspiração é a diferença entre a pressão atmosférica (Patm) e a alveolar (Palv), sendo Patm-Palv=Pressão transtorácica ou transalveolar. Quanto maior ΔP, maior o VC (para um VC de 500ml, é necessário um ΔP de 3cmH2O) . Ao final da expiração, a pressão transtorácica fica nula. Na inspiração, a pressão intrapleural diminui, reduzindo a Palv, de forma que a pressão transtorácica fica positiva (pressão transtorácica inspiratória) e o ar entra nos pulmões. A pressão transtorácica inspiratória tem dois componentes: pressão de distensão (necessária para distender os pulmões a caixa torácica) e pressão de resistência (necessária para vencer a resistência das vias aéreas). Na ventilação espontânea, a pressão de resistência é desprezível, exceto em pacientes com doença obstrutiva das vias aéreas.

A resistência das vias aéreas é a dificuldade do ar passar pela árvore respiratória. O fluxo de ar (F) nas vias aéreas depende da pressão transtorácica e da resistência (R), sendo F=ΔP/R. A resistência é inversamente proporcional à quarta potência do raio, de forma que uma redução de apenas 25% no raio, triplica a resistência. Ela depende principalmente do tônus do músculo liso das paredes bronquiolares (um broncoespasmo reduz o lúmen, aumentando a resistência), além da presença de secreções, congestão da parede, tubo oro-traqueal (TOT) com diâmetro pequeno etc.

A complacência pulmonar mede a distensibilidade dos pulmões e caixa torácica. Corresponde ao volume corrente sobre pressão transtorácica, CP=VC/ΔP. Considerando a ventilação espontânea, 500/3, ou >100ml/cmH2O, que é a complacência da caixa torácica e pulmões juntos (se considerarmos os pulmões sozinhos, a complacência é maior).

Troca gasosa

A troca gasosa ocorre entre o sangue dos capilares alveolares, que trazem o CO2 do metabolismo dos tecidos, e o ar desses alvéolos, que trazem o O2 atmosférico. O CO2 se difunde facilmente pela parede alveolar, sendo carregado livremente no sangue, de forma que a ventilação alveolar interfere muito com a PaCO2. O O2 difunde facilmente do ar alveolar para o capilar, mas necessita da Hb para ser carreado para os tecidos. Para manter uma PaO2 adequada (acima de 60mmHg), a saturação da Hb (SaO2) deve ser maior que 90%. De acordo com a curva da saturação da Hb, se a PaO2 aumentar acima de 60mmHg, a SaO2 não mudará tanto; porém, se cair abaixo de 60mmHg, a SaO2 cairá muito. O sangue venoso da artéria pulmonar tem uma SvO2 entre 65-85% e PvO2 entre 35-45mmHg. O sangue arterial das veias pulmonares, uma SaO2 entre 97-99% e PaO2 entre 85-100mmHg.

Para que a troca gasosa seja ideal, cada alvéolo deve ter uma ventilação (V) equivalente à perfusão capilar (Q). Se em alguns alvéolos a perfusão está ocorrendo mas a ventilação está reduzida, haverá uma hipoxemia- por distúrbio V/Q. Isso pode ocorrer mesmo se o paciente estiver em hiperventilação (em alguns alvéolos) e, portanto, hipocapnia. Isso ocorre na asma, DPOC, pneumonia, atelectasia e SARA (nesse caso a ventilação em alguns alvéolos é nula e o sangue passa por eles sem receber O2- shunt artério-venoso pulmonar).