quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Ventilação Mecânica- Abordagem básica

A ventilação mecânica tem sua origem num aparelho criado em 1929 por Drinker e Shaw e apelidado "iron lung". O aparelho era uma espécie de tubo de metal onde o paciente era colocado e submetido a ciclos de pressão negativa através de uma bomba de vácuo, resultando na expansão da caixa torácica e na entrada do ar ambiente nas vias aéreas. A expiração se dava espontaneamente quando o vácuo cessava e a pressão voltava a zero. Esse tipo de aparelho era desconfortável e impedia o acesso ao paciente, além de interferir na hemodinâmica.

Durante as guerras mundiais, a tecnologia militar criou mecanismos para fornecer aporte de oxigênio para os pilotos que operavam em grandes altitudes. Esses mecanismos foram incorporados na medicina e, com a criação dos tubos endotraqueais, os ventiladores a pressão positiva substituíram os "iron lungs" (ver imagem em http://www.kshs.org/cool3/graphics/ironlunglg.jpg) . Inicialmente, os aparelhos eram utilizados apenas nos intra-operatórios. A ventilação mecânica por pressão positiva ganhou fama nas epidemias de poliomielite nos EUA e na Escandinávia nos anos 50. Em Copenhagen os pacientes recebiam suporte O2 forçado manualmente através de traqueostomia (1400 estudantes de medicina se revezavam numa atividade contínua). Com a necessidade cada vaz maior de voluntários e com diminuição da mortalidade dos pacientes de 80 para 25%, os respiradores mecânicos por pressão positiva utilizados nos centros cirúrgicos chegaram à UTI.

Na ventilação mecânica, o que faz com que o ar entre nos pulmões não é a pressão intra-torácica negativa, mas a pressão positiva com que o respirador "empurra" o ar para as vias aéreas. A pressão intratorácica é positiva durante a inspiração e negativa ao final da expiração. A pressão transtorácica inspiratória é maior do que na ventilação espontânea e os seus componentes são bem demarcados na curva de pressão do ciclo respiratório: pressão de pico (ou de admissão) é a pressão transtorácica inspiratória total (soma da de distensão com a de resistência) e se situa em torno de 15cmH2O; pressão de platô é apenas a pressão de distensão, geralmente 5cmH2O abaixo da de pico (em torno de 10cmH2O).

Na ventilação mecânica, a complacência é medida substituindo-se a pressão transtorácica no ΔP como a de platô, considerando a pressão expiratória de zero. Como a pressão de platô corresponde à de distensão pulmonar, chamamos a complacência de complacência estática (CE). Se a pressão expiratória final for positiva, o ΔP é dado pela diferença entre a pressão de platô e a PEEP, estando o valor normal entre 80-100ml/cmH2O. Se em vez da pressão de platô utilizarmos a de pico, temos a complacência dinâmica (CD= VC/pressão de pico-PEEP), cujo valor normal está entre 50-80ml/cmH2O e que depende da resistência das vias aéreas. Se a CE está normal mas a CD está diminuída, o problema está no aumento da resistência das vias aéreas (e a diferença entre a pressão de pico e a de platô está maior do que 5-10cmH2O).

Os principais objetivos da VM são:

- Reverter hipoxemia, hipercapnia e acidose respiratória;

- Reverter e prevenir atelectasias;

- Permitir sedação/curarização em pacientes para realização de procedimentos;

- Reduzir o consumo de oxigênio pela musculatura respiratória em condições de hipoperfusão;

- Estabilizar o tórax em pacientes com fraturas de arcos costais.

A ventilação mecânica é dividida em invasiva e não invasiva. A invasiva (VMI) é aplicada através de um tubo traqueal (orotraqueal, nasotraqueal ou traqueostomia). A intubação é um procedimento invasivo que deve ser realizado com critérios, sendo o principal o exame clínico. Deve-se observar o nível de consciência, sinais de esforço ventilatório, FR, o estado hemodinâmico do paciente e a gasometria. São indicações de intubação: RNC (Glasgow<9)>55mmHg com pH<7,25;>

Muitas vezes, antes de iniciar ventilação mecânica para um paciente, utilizou-se suplementação de O2. Existem 2 tipos de dispositivos para suplemento de O2: tipo baixo fluxo e tipo alto fluxo. Os de baixo fluxo são a cânula nasal (catéter de O2) e a máscara de Hudson. Nesses dispositivos, o fluxo de O2 é constante (0,5-6L/min no catéter e 4-8L na máscara) e há mistura do ar ambiente com o ar enriquecido com O2. Nesse caso, a FIO2 depende do volume minuto do paciente, sendo menor se ele estiver hiperventilando (mais ar ambiente estará misturado) e maior na hipoventilação (varia entre 24-35% no catéter e 24-40% na máscara).

Os dispositivos de alto fluxo são a máscara de Venturi e a máscara com reservatório de O2. A primeira direciona o fluxo de O2 por um tubo estreito, aumentando a pressão do ar enriquecido, que é mais facilmente inalado pelo paciente. A FIO2 varia de acordo com o tamanho do contrictor, sendo conhecida para cada tipo de máscara, variando entre 25-50%. O fluxo varia entre 2-12L/min. A máscara com reservatório tem uma bolsa coletora de O2 e uma válvula que só permite que o ar seja inspirado da bolsa, garantindo uma FiO2 entre 70-90%.

A VMI tem diversos modos ventilatórios. O que os diferencia é a forma com que ciclam a ventilação, ou seja, como sinalizam a interrupção da inspiração por pressão positiva. Os ciclos podem ser controlados (iniciados e finalizados pelo aparelho), assistidos (iniciados pelo paciente e finalizados pelo aparelho) e espontâneos (iniciados e finalizados pelo paciente). Ciclagem é o termo utilizado para a passagem da inspiração para a expiração.

O modo mais utilizado é o assistido-controlada com volume constante (ventilação ciclada por volume), que permite maior repouso da musculatura respiratória. Nesse tipo de ventilação, o volume é constante (programa-se o volume corrente -VC- fornecido a cada ciclo), o fluxo inspiratório e a relação inspiração/expiração (I/E) também são programados. A inspiração inicia e só termina quando o VC programado (6-8ml/kg- em torno de 500ml num paciente de 70kg) é alcançado. A expiração é espontânea, através da abertura da válvula de exalação. Programa-se ainda uma FR mínima, mas se a FR do paciente for maior, a pressão negativa nas vias aéreas será um gatilho para disparar o ciclo ventilatório (ventilação assistida). A sensibilidade do aparelho para quando o paciente reduzir a pressão nas vias aéreas também é programada (ex. 1cmH2O abaixo da pressão basal). Deve-se cuidar para que a pressão de platô mantenha-se abaixo de 35cmH2O e a de pico, abaixo de 50cmH2O. Para alterar a I/E, mexe-se no fluxo inspiratório (quanto maior o fluxo, mais rápido se alcançará o VC, ou seja, menor será o tempo inspiratório e a relação I/E se reduzirá). A relação I/E deve estar em 1/2 na maioria dos pacientes e 1/3 nos portadores de doença obstrutiva.

Outro modo de VMI é a Ventilação Mandatória Intermitente Sincronizada (SIMV). Nesse caso, entre as ventilações do aparelho, há ventilações espontâneas do indivíduo. É um modo útil para o desmame e a FR é a soma das ventilações programadas com as espontâneas. Nesse modo, há ventilações controladas, assistidas e espontâneas.

O modo PCV (Ventilação a Pressão Constante) é um tipo de assisto-controlado, mas, em vez de programar-se o VC, programa-se a pressão de admissão. Ou seja, a inspiração pára quando a pressão programada é alcançada. É um modo utilizado na SARA, reduzindo o risco de volutrauma e barotrauma. O VC deve ser monitorado. Como complacência= VC/ΔP, o VC é determinado pela pressão programada e pela complacência pulmonar do paciente.

Em pacientes sedados profundamente, com paralisia muscular respiratória completa ou sem comando neural respiratório ("drive"), pode-se usar uma ventilação 100% controlada. Isso é feito em raros casos. Normalmente, esse tipo de ventilação provoca uma "briga" do paciente com o ventilador.

No respirador, pode-se programar uma pressão positiva ao final da expiração (PEEP), para manter os alvéolos abertos ao final do ciclo respiratório, prevenindo atelectasias. PEEP entre 3-7cmH2O é chamado PEEP fisiológico e já é capaz de realizar essa função. O PEEP terapêutico está entre 10-25cmH2O e é usado na SARA para recrutar alvéolos que se encontravam atelectasiados, reduzindo o shunt intrapulmonar e melhorando a troca gasosa. Um PEEP muito alto tem efeitos deletérios: aumenta a pressão de admissão total e o risco de barotrauma; aumenta a pressão positiva intra-torácica média, prejudicando o retorno venoso, levando até a instabilidade hemodinâmica.

Existe ainda o auto-PEEP, que decorre de um tempo muito curto para os alvéolos se esvaziarem na expiração, provocando aprisionamento de ar. O auto-PEEP é sempre deletério e não melhora a troca gasosa. Ocorre comumente nas doenças obstrutivas e piora com o aumento da FR e da relação I/E (o tempo expiratório diminui). O auto-PEEP pode levar ao barotrauma, aumento do trabalho respiratório, instabilidade hemodinâmica. Para corrigí-lo, pode-se diminuir a FR, a relação I/E ou ainda programando um PEEP artificial.

Geralmente, quando se acabou de intubar o paciente, utilizam-se o modo assistido-controlado e parâmetros gerais de VM. Passados alguns minutos, faz-se uma gasometria para, então, alterar os parâmetros. Inicialmente, alguns autores aconselham utilizar: FiO2 100%; FR 12-16 irpm; VC 8-10 ml/kg; fluxo inspiratório 50-60 L/min; PEEP 5 cmH2O e sensibilidade do aparelho 1 cmH2O. A FiO2 deve ser diminuída até uma saturação de O2 que permaneça aceitável (95%). Para o ajuste da FR, deve-se observar a FR total (controlada+assistida). Deve-se ter em mente que quanto maior a FR, menor a duração dos ciclos. Em pacientes com doenças obstrutivas, a FR deve ser mantida em torno de 12irpm, evitando-se hiperinsuflação pulmonar.

O volume corrente pode ser ajustado pelo nível de gás carbônico na gasometria arterial, pelo conforto do paciente e por sua demanda metabólica, mantendo-se em torno de 10ml/kg. Em pacientes com DPOC, SARA, LPA, volumes menores (entre 6 e 8 ml/kg) são preferidos. O fluxo inspiratório é o parâmetro mais difícil de ser ajustado. Devem ser considerado os fatores: o tempo inspiratório desejado para determinada condição de freqüência respiratória e volume corrente (quanto maior o fluxo, menor o tempo inspiratório e maior o expiratório- o que é desejável no DPOC, por exemplo); o pico de pressão nas vias aéreas (quanto maior o fluxo, maior a pressão); a demanda metabólica e o conforto do paciente.

Além do valor do fluxo inspiratório, na ventilação assistido-controlada ciclada a volume, o operador pode escolher a forma da onda de fluxo. 2 tipos são mais comumente usados: o fluxo quadrado e o fluxo desacelerado. No quadrado, o valor de fluxo escolhido é mantido durante toda a inspiração,enquanto no desacelerado o fluxo inicia-se em seu valor maior (pico de fluxo) e vai diminuindo progressivamente enquanto o volume corrente é ofertado. Discute-se se há vantagens do fluxo desacelerado sobre o quadrado, talvez com uma melhor distribuição da ventilação e com a geração de menores pressões nas vias aéreas. Quando se muda do fluxo quadrado para desacelerado, mantendo-se o mesmo valor de pico de fluxo, o tempo inspiratório será prolongado. Ao se fazer a mudança, para se manter o mesmo tempo inspiratório com o mesmo VC, deve-se aumentar o pico de fluxo. Alguns ventiladores já fazem automaticamente essa elevação

Além do ajuste da sensibilidade do aparelho por pressão, existe por fluxo, que necessita de menor trabalho do paciente. Para ajustar a sensibilidade deve-se mantê-la baixa (-1 a -1,5cmH2O ou 1-3L/min), mas não em valores que possam gerar autociclagem, ou seja, disparo do aparelho sem o esforço do paciente, por movimentos no circuito. Se o paciente estiver brigando com o respirador, com alta FR, não se deve diminuir a sensibilidade do aparelho, porque o paciente continuará brigando, mas sem conseguir disparar a inspiração.

A PEEP deve ser ajustada de 2 em 2cmH2O, com o objetivo de diminuir a necessidade de grandes FiO2, mas cuidando para que não haja alteração na hemodinâmica do paciente.

Para realizar o desmame do respirador, deve-se avaliar a função respiratória, hemodinâmica e cerebral do paciente. Suspende-se o sedativo, observam-se parâmetros gasométricos e de ventilação espontânea. O volume minuto espontâneo deve estar próximo ao volume minuto na VM; o VC>5ml/kg; CV>10-15ml/kg; FR<25>60mmHg; FiO2<50%>1h, pode-se exturbar (desde que o paciente esteja lúcido, capaz de tossir etc.). Há ainda o método do SIMV, onde se reduz a FR programada até zero, e da PSV, onde diminui-se até 8cmH2O.

A ventilação mecânica não-invasiva (VNI) é feita por dispositivos nasais ou máscaras faciais, impedindo as complicações do TOT (lesão traqueal, de cordas vocais, pneumonia associada à VM). A VNI tem diferentes modos ventilatórios. O BIPAP (ventilação com 2 níveis de pressão) é um modo em que há uma presão de inspiração (IPAP) e uma de expiração (EPAP) positivas. O VC determina-se pela diferença entre a IPAP e EPAP. No modo CPAP (ventilação com pressão positiva contínua das vias aéreas), um fluxo contínuo é mantido com um único nível de pressão, em torno de 10cmH2O. A ventilação do paciente é totalmente espontânea. O CPAP é usado na apnéia do sono, por exemplo. Em outro modo, na ventilação com pressão negativa, o paciente (geralmente com doença neuro-muscular) é acoplado a um sistema de vácuo que faz uma pressão negativa durante a inspiração.

PSV (ventilação com pressão de suporte) é uma estratégia que pode ser utilizada em modos ventilatórios em que haja ciclos espontâneos (SIMV ou CPAP). A PSV auxilia os ciclos espontâneos do paciente por meio de uma pressão positiva pré-determinada e constante durante a inspiração. Essa pressão positiva é gerada por um fluxo inspiratório fornecido pelo ventilador. O ventilador, ao ser disparado pelo esforço do paciente, eleva a pressão no circuito do ventilador para um nível pré-determinado pelo operador, fornecendo para isso um fluxo de gás adicional. O nível de pressão é mantido constante durante toda a inspiração por um auto-ajuste contínuo do fluxo, que se desacelera na proporção em que a pressão no parênquima pulmonar insuflado eleva-se progressivamente. O final da inspiração ocorre quando o fluxo inspiratório, ao se reduzir, atinge um valor crítico, pré-determinado para cada ventilador (em geral 25% do pico de fluxo). Nesse momento o fluxo inspiratório é interrompido e a válvula expiratória é aberta, iniciando a expiração (ciclagem a fluxo).

Um dos principais efeitos fisiológicos da PSV é compensar parcial ou totalmente o trabalho respiratório adicional imposto pela prótese respiratória, válvulas de demanda e componentes do circuito do ventilador. Por isso, sempre que se tem ciclos espontâneos, como nos modos CPAP e SIMV, eles devem ser auxiliados por uma pressão de suporte. Recomendam-se valores em torno de 7 cmH2O como a pressão de suporte mínima. Quando o paciente encontra-se confortável com esses níveis de pressão de suporte, desde que outros parâmetros também estejam controlados, a extubação é possível.