segunda-feira, 7 de maio de 2007

Manejo da Sepse by Lorena Amorim

Manejo da Sepse
James A. Russel, M.D.
N Engl J. Med 2006;355:1699-713

Sepse é definida como síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) associada a uma infecção conhecida ou suspeitada; sepse severa como sepse com disfunção orgânica; e choque séptico como sepse severa associada a hipotensão refratária a reposição hídrica adequada. Choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos são as principais causas de morte em pacientes sépticos.

FISIOPATOLOGIA
A sepse resulta da interação entre o agente infeccioso e as respostas imune, inflamatória e de coagulação do hospedeiro. Sepse com disfunção orgânica ocorre quando a resposta do hospedeiro à infecção é inadequada. O processo progride quando o organismo não consegue conter a infecção primária, o que está relacionado com características do microorganismo, como presença de superantígenos e outros fatores de virulência, resistência à opsonização, à fagocitose e a antibióticos.
Na sepse, há uma resposta inflamatória que direta ou indiretamente causa dano tecidual. Bactérias gram positivas e gram negativas, vírus e fungos possuem moléculas que se ligam a receptores de superfície das células imunes (TLRs). O lipopolissacarídeo das bactérias gram negativas liga-se ao TLR4 e o peptideoglicano das gram positivas liga-se ao TLR2. Quando esses receptores são ligados, ativam uma via de transdução intracelular que ativa o NF-kB. Este último ativado é translocado do citoplasma para o núcleo, onde liga-se a um sítio de transcrição, aumentando a transcrição de citocinas como TNFa, IL1B (citocinas pró-inflamatórias que ativam a resposta imune adaptativa, mas que também causam direta ou indiretamente dano ao hospedeiro) e IL10 (citocina antiinflamatória que inativa macrófagos e tem outros efeitos antiinflamatórios). Na sepse, há aumento da atividade da enzima óxido nítrico sintetase (iNOS), que aumenta a síntese de NO, potente vasodilatador. As citocinas ativam células endoteliais por up-regulation de receptores de adesão e causam dano endotelial por induzir adesão de células imunes a células endoteliais. Essas células efetoras liberam mediadores (proteases, oxidantes, PGs e leucotrienos), que causam dano endotelial, levando a um aumento da permeabilidade vascular, vasodilatação e alteração do balanço pró e anticoagulante. As citocinas também ativam a cascata da coagulação. (Figura 1)
Microorganismos estimulam as respostas imunes celular e humoral, que amplificam a imunidade inata. Células B liberam imunoglobulinas que se ligam a microorganismos, facilitando sua apresentação às células NK e aos neutrófilos pelas células apresentadoras de antígenos para que haja destruição desses agentes. Subgrupos de células T são modificados na sepse. Linfócitos T helper podem ser classificados como helper tipo 1 (Th1), que secreta citocinas proinflamatórias, como TNFa e IL1B, ou tipo 2 (Th2), que secreta citocina antiinflamatórias, como IL4 e IL10, a depender do microorganismo, da gravidade da infecção e de outros fatores.
Outro importante aspecto da sepse é a alteração do equilíbrio procoagulação X anticoagulação, com um aumento de fatores procoagulantes e diminuição de fatores anticoagulantes (proteínas C e S, antitrombina III e fator tecidual). Lipopolissacarídeo e TNFa diminuem a síntese de trombomodulina e do receptor endotelial da proteína C, prejudicando a ativação desta e aumentando a síntese do inibidor do ativador do plasminogênio, o que prejudica a fibrinólise. Como conseqüência das mudanças na coagulação que ocorrem na sepse, há elevação de marcadores de coagulação intravascular disseminada e disfunção de múltiplos órgãos. (Figura 2)


A imunossupressão tem sido um fator determinante de morte tardia em pacientes sépticos, estando envolvidos anergia, linfopenia, hipotermia e infecções nosocomiais. Quando estimulados com lipopolisacarídeo, monócitos de pacientes sépticos apresentam menor quantidade de citocinas proinflamatórias que aqueles de pacientes saudáveis, indicando possível imunossupressão relativa.
A disfunção de múltiplos órgãos que ocorre na sepse pode ser causada por um predomínio do fenótipo antiinflamatório e por apoptose de células imunes, epiteliais e endoteliais. Na sepse, células T helper passam de um fenótipo proinflamatório Th1 para um fenótipo Th2 produtor de citocinas antiinflamatórias.
Apoptose de linfócitos teciduais e circulantes contribuem para a imunossupressão da sepse. Ela é iniciada pelo aumento de citocinas proinflamatórias, células T e B ativadas e níveis de glicocorticóides. Níveis elevados de TNFa e lipopolissacarídeos durante a sepse também podem induzir apoptose de células do epitélio intestinal e pulmonar.
As vias de sinalização alteradas acabam causando dano tecidual e disfunção de múltiplos órgãos. Disfunção cardiovascular é caracterizada por choque circulatório e redistribuição do fluxo sanguíneo, com diminuição da resistência vascular, hipovolemia e redução da contratilidade do miocárdio associados com aumento dos níveis de NO, TNFa, IL6 e outros mediadores. Disfunção respiratória é caracterizada pelo aumento da permeabilidade microvascular, levando a dano pulmonar agudo. Disfunção renal também pode ser importante na sepse.

TRATAMENTO DE ACORDO COM O ESTÁGIO DA SEPSE

Terapia alvo precoce
Rivers e colaboradores realizaram estudo randomizado e controlado no qual pacientes com sepse severa e choque séptico receberam a terapia alvo precoce nas seis primeiras horas ou a terapia usual. No primeiro grupo, a saturação venosa central de oxigênio foi continuamente monitorada através de um cateter venoso central. Cristalóides foram administrados para manter a PVC entre 8 e 12 mmHg, vasopressores foram adicionados quando PAM menor que 65mmHg, eritrócitos transfundidos quando saturação venosa central de oxigênio menor que 70% para manter Ht acima de 30% e dobutamina foi introduzida quando saturação venosa central de oxigênio menor que 70% a despeito de PVC, PAM e Ht normais. Neste estudo, a terapia alvo precoce reduziu a mortalidade e a duração da hospitalização. O grupo de pacientes que recebeu terapia alvo precoce fez uso de maior quantidade de fluidos, transfusões e dobutamina nas primeiras 6 horas, enquanto, no grupo controle, os pacientes receberam quantidade maior de fluidos e número maior de pacientes recebeu vasopressores, transfusões sanguíneas e ventilação mecânica (VM) por um período de 7 a 72 horas. A terapia alvo precoce, portanto, deve reverter a hipóxia tecidual e diminuir os danos causados pela inflamação e coagulação.

Ventilação
Dano pulmonar agudo freqüentemente complica a sepse, portanto ventilação pulmonar protetora com uso de volume tidal reduzido é importante no manejo da sepse, já que tem mostrado reduzir a mortalidade e apresenta benefícios no dano pulmonar agudo séptico. Volume tidal excessivo e abertura/fechamento repetidos dos alvéolos durante VM causam dano pulmonar. Ventilação mecânica pulmonar protetora com o uso de volume tidal de 6mL/Kg de peso corporal ideal reduz a taxa de mortalidade, a disfunção orgânica e os níveis de citocinas quando comparada àquela com volume tidal de 12mL/Kg de peso corporal ideal. Não há diferença significativa de mortalidade entre os pacientes tratados com regime usual de PEEP da Acute Respiratory Distress Syndrome Clinical Trials Network e aqueles tratados com altos níveis de PEEP.
Pacientes em ventilação requerem sedação apropriada e não excessiva devido aos riscos da ventilação prolongada e de pneumonia nosocomial.
Manter e interromper a sedação diariamente até o paciente acordar reduz os riscos associados à sedação. Bloqueadores neuromusculares devem ser evitados para diminuir disfunção neuromuscular prolongada.

Antibióticos de amplo espectro
Como o sítio infeccioso e o microorganismo causador geralmente não são conhecidos na fase inicial da sepse, culturas devem ser obtidas e antibióticos de largo espectro devem ser administrados por via intravenosa até que a situação imune do paciente seja verificada. A sensibilidade antibiótica deve ser levada em conta na escolha do antimicrobiano.

Proteína C ativada
Uma vez iniciadas a terapia alvo precoce, a ventilação pulmonar protetora e a terapia antibiótica, o uso de proteína C ativada deve ser considerado. A proteína C ativada melhora a disfunção orgânica e reduz a mortalidade, estando indicada apenas para pacientes com sepse severa e com alto risco de morte, pois não tem benefícios no tratamento da sepse em pacientes de baixo risco. A efetividade da proteína C ativada não depende do sítio infeccioso ou do microorganismo causador, possivelmente porque todas as bactérias e fungos causam redução dos níveis de proteína C.
Cirurgia e trauma recentes, hemorragia ativa, terapia anticoagulante e trombocitopenia são critérios de exclusão para a terapia com proteína C ativada.

Tratamento da anemia na sepse
Anemia é comum na sepse, em parte porque mediadores da sepse (TNFa e IL1B) diminuem a expressão do gene da eritropoetina. Embora o tratamento com eritropoetina humana recombinante diminua a necessidade de transfusão, estudos randomizados e controlados falharam em mostrar aumento da sobrevida com seu uso. Eritropoetina leva dias a semanas para induzir produção de células vermelhas e não parece ser efetiva.
Transfusão sanguínea tem valor se necessária durante estágio emergencial da sepse. Há diminuição da mortalidade quando a transfusão é realizada precocemente. Os níveis de hemoglobina devem ser mantidos entre 70 e 90g por litro após as seis primeiras horas para reduzir a necessidade de transfusões.

Corticosteróides em pacientes que requerem cuidado crítico
Estudos controlados sugerem que curtos cursos (48h) de altas doses de corticosteróides não melhoram a sobrevida na sepse severa.
Há controvérsias em relação ao uso de corticosteróides porque a ocorrência de insuficiência adrenal na sepse é discutível e apenas alguns estudos mostraram redução do uso de vasopressores quando corticosteróides foram administrados. No estudo de Annane e colaboradores, a mortalidade foi menor em pacientes que receberam corticosteróides em relação aos que receberam placebo.
Corticóide sérico total reflete tanto corticóide ligado a proteína quanto corticóide livre. Pacientes sépticos com baixos níveis de albumina sérica devem ter níveis séricos de corticóide total reduzidos, a despeito de níveis normais ou elevados de corticóide sérico livre – ponto relevante, já que hipoalbuminemia é comum na sepse.
Corticóides também têm sido considerados em pacientes com Sídrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) e podem causar importantes efeitos adversos em pacientes sépticos, incluindo neuromiopatia e hiperglicemia, assim como linfopenia, imunossupressão e perda de células epiteliais intestinais por apoptose. A imunossupressão que acompanha o uso de corticóides na sepse pode predispor a infecção nosocomial e a prejuízo na cicatrização de feridas.

AVALIAÇÃO E CONTROLE DA CAUSA DA SEPSE
O sucesso do manejo da sepse no estágio de cuidado crítico requer suporte dos órgãos afetados. Se o microorganismo causador for identificado, deve-se usar antibiótico de espectro estreito para reduzir a ocorrência de microorganismos resistentes.

Vasopressina
Deficiência de vasopressina e down-regulation de seus receptores são comuns no choque séptico. Vasopressina causa dilatação arterial renal, pulmonar, cerebral e coronariana. Infusão intravenosa de baixas doses de vasopressina tem mostrado aumentar a pressão sanguínea, o débito urinário e o clearance de creatinina, permitindo diminuição dramática na terapia vasopressora. No entanto, a terapia com vasopressina pode causar isquemia intestinal, diminuição do débito cardíaco e necrose cutânea, especialmente com doses acima de 0,04U/minuto. Inibidores da óxido nítrico sintetase diminuem o uso de vasopressores, mas aumentam a mortalidade do choque séptico, sugerindo que melhora de marcadores hemodinâmicos em curto prazo pode estar associada a um risco de morte aumentado.

Hiperglicemia e terapia insulínica intensiva
Hiperglicemia e resistência a insulina são virtualmente universais na sepse. Hiperglicemia é prejudicial porque atua como procoagulante, induz apoptose, prejudica função neutrofílica, aumenta o risco de infecção, prejudica a cicatrização de feridas e está associada com aumento do risco de morte. Inversamente, a insulina pode controlar a hiperglicemia e melhorar os níveis lipídicos, além de apresentar ações antiinflamatória, anticoagulante e antiapoptótica.
Nenhum estudo que avaliasse a terapia insulínica foi realizado especificamente com pacientes sépticos, mas resultados de estudos randomizados e controlados sobre a terapia insulínica intensiva em pacientes cirúrgicos sugerem que esta terapia deve ter benefícios na sepse. Terapia insulínica intensiva diminui a mortalidade de pacientes cirúrgicos na UTI, assim como a prevalência de suporte ventilatório prolongado, terapia de reposição renal, disfunção neuromuscular periférica e a bacteremia.
A terapia insulínica intensiva tem papel antiinflamatório e protege a função mitocondrial e endotelial.

Disfunção renal e diálise
Insuficiência renal aguda está associada com aumento da morbimortalidade na sepse. Terapia de reposição renal contínua diminui a incidência de biomarcadores adversos, mas há poucas evidências de que isto modifique os resultados. Baixas doses de dopamina não diminuem a necessidade de suporte renal nem melhora a sobrevida, por isso não são recomendadas. Acidose lática é uma complicação comum do choque séptico, entretanto, bicarbonato de sódio não melhora a hemodinâmica nem a resposta a medicações vasopressoras.

SUPORTE E CUIDADO GERAL
O objetivo do suporte cardiovascular deve ser a perfusão adequada, embora seu benefício na manutenção da saturação venosa central de oxigênio acima de 70% depois das primeiras 6 horas não seja conhecido. Suporte respiratório requer aplicação contínua de volume tidal de 6mL/kg. Profilaxia com heparina, que pode ser adicionada ao uso de proteína C ativada, é recomendada para pacientes sem sangramento ativo ou coagulopatia.
Nutrição enteral é mais segura e efetiva que parenteral total. No entanto, esta última pode ser necessária em pacientes com sepse abdominal, trauma ou cirurgia. Para pacientes sépticos que estão recebendo VM, profilaxia de úlcera de estresse com o uso de antagonistas do receptor H2 deve reduzir o risco de hemorragia grastrointestinal.
Uso de sedação, bloqueadores neuromusculares e corticóides deve ser minimizado porque podem exacerbar a encefalopatia, polineuropatia e miopatia da sepse. O risco de infecção nosocomial em pacientes sépticos deve ser reduzido com o uso de antibióticos, prevenção de imunossupressão e remoção de cateteres.

Terapias não efetivas
Terapias antilipopolisacarídica e bloqueadora de citocinas proinflamatórias não mostraram efetividade na sepse. Outras terapias, como as que envolvem o uso de ibuprofeno e antagonistas de bradicinina, não melhoram a sobrevida de pacientes sépticos.

Novas terapias potenciais
Superantígenos e manose são produtos bacterianos que podem ser alvos terapêuticos potenciais. Melhora da imunidade pode trazer benefícios no manejo da sepse quando realizada precocemente se medidas da competência da imunidade indicarem prejuízo desta ou quando aplicadas na sepse tardia. IFN gama melhora função macrofágica e pode aumentar a sobrevida na sepse. Lipídios podem modular a imunidade inata pela inibição do lipolissacarídeo.

RESUMO
O manejo adequado da sepse requer terapia alvo precoce, ventilação pulmonar protetora, antibióticos e possivelmente proteína C ativada. O uso de corticóides, vasopressina e terapia insulínica intensiva requer estudos adicionais. Em estágio tardio da sepse, o manejo apropriado necessita de suporte orgânico e prevenção de infecção nosocomial.